quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Doutor Sono, de Stephen King



O Iluminado é, sem a menor sombra de dúvidas, um dos meus livros favoritos do Stephen King perdendo somente (por enquanto) para A Dança da Morte. Então imagina só a minha ansiedade para ler Doutor Sono e descobrir o que aconteceu com Dan Torrance e que novas surpresas ele poderia nos mostrar! E em meio as altas expectativas, medo de me decepcionar com uma sequencia tão esperada como esta, King não me decepciona e nos entregou uma sequência digna, profunda e por que não emocionante? 

Mesmo mais de 30 anos após escrever sobre as desventuras da família Torrance no Hotel Overlook, King não erra a mão e é evidente os laços profundos que une as duas obras quase que tornando-as uma só. Em Doutor Sono vemos Dan Torrance, já um homem de meia idade, lutando para controlar um demônio interior, o mesmo demônio que perseguiu seu pai e que o destruiu: o alcoolismo. Mesmo atormentado pelos horrores do passado ele tenta descobrir seu lugar no mundo e está determinado a não se tonar o que seu pai acabou tornando-se. Assim ele acaba indo parar em uma cidade onde entra para o AA. Lá começa a trabalhar em um asilo para pacientes terminais onde ganha a alcunha de Doutor Sono, por utilizar seus poderes de iluminado para dar conforto às pessoas na hora da morte, tornado este momento menos doloroso. 

Próximo dali há uma criança, Abra Stone, que possui um poder de iluminação nunca antes visto, mais forte que o do próprio Dan. Isto acaba por atrair certas criaturas maléficas que se alimentam deste tipo de dom, chamados O Verdadeiro Nó, e Dan vai fazer de tudo para proteger Abra destas criaturas maléficas. 

Se existe um tema que define cada obra do King creio que Doutor Sono fale sobre redenção, enquanto que  O Iluminado falava sobre família e responsabilidade. Neste livro vemos Dan, que apesar de ter herdado o alcoolismo do pai, está determinado a ser uma pessoa boa e não se deixar consumir pelos impulsos destrutivos que acompanham sua família. Vê também na defesa de Abra uma forma de se redimir não só por ele, mas pelo pai e uma maneira de se livrar de todos os demônios interiores que sempre o atormentaram.

Uma das coisas também que mais gostei em Doutor Sono foi a escrita do King, que nunca esteve tão fluida, clara, leve e sem enrolação. Cheguei a ler mais de sessenta páginas sem cansar nem um pouco. Também as tramas dos dois livros ficaram bem amarradas, com os núcleos de Dan e Abra se interligando de uma maneira tão precisa que chego a considerar este livro um dos mais bem escritos do King.

Gostei muito do início do livro se dedicar a mostrar Dan ainda criança e aprendendo a controlar seus poderes e a como se desviar dos demônios do Overlook que ainda o perseguiam. Só achei que o King poderia mostrar mais um pouco da Wendy, pois foi uma das personagens mais marcantes de O Iluminado

Achei a trama envolvendo O Verdadeiro Nó bastante interessante, porém não era isso que mais me prendia no livro. Me envolvi muito mais com os dramas do Dan e a relação dele com a Abra. É tanta que achei o  vilões muito fracos. E Rose, a cartola, que tinha tudo para ser uma vilã marcante, furiosa e sanguinária, praticamente não se move.

Uma das melhores partes do livro é o final, cheio de reviravoltas e boas surpresas. Aqui King engana o leitor direitinho. O desfecho é emocionante e com diálogos muito bons e dá aquele gostinho de quero mais.

Apesar de ter amado Doutor Sono ele não se equipara a O Iluminado, onde a atmosfera tensa, o terror psicológico e a narrativa assustadora tornam o livro inigualável. Doutor Sono não tem quase nada disso. Este foi o primeiro dos lançamentos mais recentes do King que li e achei inúmeras referências às coisas que conheço como Harry Potter, Game of Thrones e até Crepúsculo!

Enfim, se está com receio de ler este livro com medo de se decepcionar, vá fundo, ele é muito bom. Só não espere nenhum novo Iluminado e com certeza você vai conseguir apreciar a obra. 

Título original: Doctor Sleep, 2013
Tradução: Roberto Grey
Editora: Suma de Letras
Páginas: 475

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Mais uma lista de livros


O ano de 2015, para mim, foi um ano de poucas leituras. Afinal, mudei de cidade, de Estado, de vida... Enfim, estou me adaptando ainda. Mas, em meio à parcas leituras me aventurei em alguns romances que acho digno compartilhar com vocês. Aqui vai:

Direitos Iguais, Rituais Iguais - Terry Pratchett: Terry Pratchett se foi este ano e com certeza deixou uma legião de fãs dos Discworld em prantos e saudosos de suas loucas e divertidas fábulas de fantasia. Comecei a série Discworld há algum tempo e esta foi a minha quarta aventura no Mundo do Disco. Adorei este, apesar de ter achado o mais fraco da série até onde li. Acho muito legal a maneira como Pratchett utiliza a fantasia e a aventura para nos fazer chorar de rir. Seus personagens são marcantes e hilários e o livro ainda traz uma pitada de crítica social. Afinal, por quê homens só podem ser magos e as mulheres só bruxas? Direitos iguais para todos né?


Quatro Estações - Stephen King: Não é novidade para ninguém que Stephen King é o meu autor favorito. E em Quatro Estações ele me surpreendeu mais uma vez. Neste romance de quatro contos, King foge de sua zona de conforto e escreve dramas profundos que conseguem nos tocar verdadeiramente. Mas nem por isso o livro não tem um quê de suspense, como no conto Aluno Inteligente (meu favorito do livro) e uma pitada de sobrenatural em O Método Respiratório, que me deu calafrios no final! Os outros contos também são marcantes e originaram dois dos meus filmes favoritos Um Sonho de Liberdade e Conta Comigo.
Filme Conta Comigo (Stand by Me, 1986)
Filme Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption,1994) 
Caixa de Pássaros - Josh Malerman: Este romance de estréia de Josh Malerman foi uma das melhores surpresas literárias que tive nos últimos anos. O livro é intenso, perturbador e foge um pouco do lugar comum das histórias pós apocalípticas e de terror. O autor consegue brincar com os seus sentidos e a história se torna angustiante (não em um sentido muito ruim) e faz você se transportar para dentro da trama e sentir os dramas e os medos da personagem principal. Este livro vale muito a pena!


 A Torre Negra vol. VII - Stephen King:  Comecei A Torre Negra em 2012. E entre livros que amei de coração e outros que odiei profundamente, cheguei a este volume final que ficou entre muito bom e "mais ou menos". Achei que a série se perdeu entre o volume IV e este último. Em muitos momentos tive a sensação que King perdeu o fio da meada e a trama ficou muito confusa e teve muitas partes maçantes que eram pura encheção de linguiça. Mas focando neste volume final, acho que King se redimiu um pouco e nos entregou um livro mais coeso e fiel com a proposta do início da série. Só achei o livro um pouco lento e o final de alguns personagens foram bem ruins. Mas a conclusão da série foi de dar uma dor no coração, mas como disse achei coerente e digno para a série.


O Silêncio dos Inocentes - Thomas Harris: Não é um livro que se insere no gênero "Fantástico" mas merece figurar nesta lista por ter sido uma das melhores leituras do ano para mim. Achei o livro genial. A escrita do Harris é deliciosa e sem contar a presença de um personagem que você consegue amar e odiar ao mesmo tempo, o famoso Dr. Hannibal Lecter. O livro não chega a ser um suspense como qualquer outro, afinal, você sabe que é o assassino desde o início. Mas a maneira como os acontecimentos se desdobram em thriller psicológico perturbador e culminam com um final surpreendente é fantástico. Assisti ao filme logo depois e achei Antony Hopkins como Hannibal mais aterrorizante que no livro!

Filme O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O Pacto/Amaldiçoado, de Joe Hill



Sabe aqueles livros que todo mundo fala super bem e que você não vê a hora de ter eles na mão para ler logo? Pois é, O Pacto, escrito pelo filho do renomado escritor de terror e suspense Stephen King, Joe Hill, era um desses livros que sempre figuraram na minha lista de desejados por ser tão bem criticado pelos leitores. Porém, tive sempre um certo receio de adquirir ele por não ter gostado tando assim de um outro livro dele "Heart-shaped Box" (Sim, igual aquela música do Nirvana) traduzido aqui no Brasil como "A Estrada da Noite". O fato é que consegui ler o livro por meio de um grupo muito legal que encontrei na internet, com pessoas muito bacanas e sem neuras que emprestam seus livros mesmo a gente morando a quase 2.000 km de distância! E olha a surpresa: odiei o livro!


A narrativa central de O Pacto gira em torno de Ignatius Perrish que foi acusado de estuprar e matar a namorada, Merrin, mas por falta de provas nunca foi preso. Daí um belo dia o cara acorda com chifres (o título original é Horns = chifres) na cabeça e olha só: toda vez que uma pessoa olha pra ele despejam pra fora todos o seus segredos mais sujos. Daí o livro segue contando o passado de Ig, como conheceu Merrin e quanto eram apaixonados e ainda a relação de Ig com um amigo, que está mais pra amigo da onça, Lee Tourneau e o crescimento de uma amizade baseada na ingenuidade de Ig, e sua fé na bondade humana, inveja e morte. E também as coisas sobrenaturais que cercam Ig e seus misteriosos chifres.

Uma das coisas que me incomodaram em A Estrada da Noite, como a crueza da narrativa e os acontecimentos absurdos e totalmente sem noção, não estão presentes em O Pacto,  pelo contrário, Hill abusa de uma narrativa prolixa, tal como o pai, e cuida da construção dos personagens de uma maneira mais cuidadosa tornando eles mais profundos. Há também um cuidado com a narrativa e sua linearidade, onde o autor meio que conta a história de trás pra frente, pontuando a trama com flashbacks mostrando a construção do caráter e a personalidade dos personagens principais envolvidos na trama central que culminaram com o assassinato onde gira a trama principal. Até aí ponto positivo! Isso mostra o quanto Joe Hill evolui como escritor. Mas por que não gostei do livro?

Primeiro, não gostei da maneira como Hill quis mostrar o quanto o ser humano tem de podre dentro de si, retratando a influência do demônio sobre as pessoas. Só acho que se ele quis mostrar isso, e creio que essa era uma das propostas principais do livro, ele pegou bem leve, podendo ter se debruçado bem mais nesta questão tornando o livro uma trama de terror psicológico bem mais intensa e macabra. 

Segundo, Ig é um personagem muito chato e bobo, aquele tipo de pessoa que acredita em tudo e todos e só consegue ver o lado bom das coisas. Creio que uma pessoa assim  deve apanhar muito na vida. Como de fato aconteceu no livro. A ingenuidade de Ig e a maneira como ele vê o mundo e as pessoas culminou por desgraçar a vida dele. Daí o cara vira um demônio cabuloso, cheio de poderes, consegue até controlar cobras e sabe o que ele faz? Apanha...e muito! Daí achei que a questão do sobrenatural não foi muito bem trabalhada. 

Terceiro, a narrativa do livro parece uma montanha russa, cheia de sobe de desce. Tinha horas que o livro estava  muito bom, cheio de reviravoltas, dai lá vem aqueles flashbacks, muitos deles eram bem chatos e se arrastavam por capítulos sem fim e isso me tirava o clima e deixava o livro bem maçante.

E por último, acabou que o livro teve um fim triste e sem respostas. Se teve respostas elas ficaram muito subentendidas. A questão dos chifres do Ig e o por que de ele ter recebido aqueles poderes não são respondidas, não espere por isso se você estiver lendo o livro agora. Sem contar que o mistério da morte da Merrin é solucionado antes do meio do livro e não é nada surpreendente.

Apesar de tudo ainda lerei outros livros do Hill, (inclusive já adquiri Nosferatu) por que gosto do modo inusitado como ele constrói as histórias e seus personagens, a maneira sem pudor como ele trata qualquer assunto sem banalizar nada em seus livros. Hill tem um futuro muito promissor como escritor de supsense e terror e consegue fugir da sombra do pai e escrever sobre os mesmos temas sem ser constantemente comparado com ele. O livro  foi adaptado para o cinema em 2013 com Daniel Radcliffe (o eterno Harry Potter) no papel principal e já vi tantas críticas negativas que só me fizeram ficar sem vontade de ver o filme. Ainda mais não tendo gostado do livro, mas pretendo fazer isso em breve.



Título: O Pacto/Almaldiçoado
Título original: Horns
Autor: Joe Hill 
Ano: 2010
Páginas: 320
Editora: Arqueiro

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Primeiras Impressões de The 100 [série]


Pouco tempo atrás esbarrei várias vezes com publicidades dessa nova série de livros intitulada, no Brasil, de The 100: Os escolhidos, da autora Kass Morgan. A sinopse era interessante e me interessei em conhecer mais sobre a história. 

Na obra, o que restou da humanidade agora vive em uma estação espacial, como refugiados de uma guerra nuclear que tornou a Terra inabitável. Com a crescente escassez de recursos, 100 prisioneiros adolescentes são enviados para a Terra numa missão suicida de reconhecimento. 

Depois descobri que a série de TV baseada nos livros foi lançada poucos tempo depois do lançamento do livro nos EUA. Se não entendi errado, o livro já tinha vendido os direitos para a TV antes mesmo de ser publicado, gerando mais curiosidade de conhecer o livro.


Por isso resolvi, antes de encarar o livro, dar uma espiada na série. As vezes as adaptações não fazem jus ao livro, mas já dá pra ter uma boa ideia do que esperar. 

Depois de ver dois episódios, só um pensamento ficou em mim: eu já vi isso antes!

É sério, a série chupa tantas referências que uma pessoa mais atenta poderia citá-las em cada uma das passagens. São outras séries, filmes e livros. Só pra falar algumas que me veem a mente, Lost, Mundo Perdido, A Maquina do Tempo, Terra Nova...

A série é visualmente razoável. Não traz nenhuma novidade. A qualidade dos efeitos é o esperado para uma produção para TV. Nos dois primeiros episódios que eu vi, ainda não havia dado tempo dos personagens serem completamente explorados, e eles estavam revelando seus segredos aos poucos. Mas me incomodei particularmente com os irmãos Bellamy e Octavia, que tem motivações bem fracas para as suas atitudes que têm grandes impactos na história. A série falha totalmente em tornar a relação entre os adolescentes crível.


Não espero que adaptações sejam parâmetros conclusivos para se analisar as obras em que foram baseados. Mas com base no que vi decidi esperar. Depois de ler duas resenhas do livro, qualquer chance de eu ler o livro foi embora. Talvez na próxima eu dê mais sorte.

sábado, 10 de maio de 2014

O Parque dos Dinossauros, de Michael Crichton


Testando novos formatos aqui no Fantasia BR, teremos pela primeira vez uma resenha dupla! O livro escolhido não foi ao acaso. Devido a nossa formação em Biologia escolhemos um livro que tem tudo a ver com isso: Parque dos Dinossauros. Desculpa se nos apegamos as bases científicas da obra. Coisas de cientista :)

Alysson: O filme O Parque dos Dinossauros, clássico da Ficção Cientifica brilhantemente dirigido por Steven Spielberg, foi um dos filmes que certamente marcaram minha infância, vi centenas de vezes que cheguei a decorar as falas. Não muito tempo depois descobri que o filme fora inspirado em um livro homônimo escrito por Michael Crichton, por muito tempo fiquei curioso pra lê-lo no entanto era muito difícil de encontrar pra comprar, até que um dia me deparei com ele em uma versão pocket em uma livrara em Brasília. Não pensei duas vezes em adquiri-lo. Porém da compra até a leitura transcorreram-se quase três anos, mas finalmente consegui terminá-lo e essas são as minhas impressões e as do Enio sobre esse clássico moderno da Science Fiction.

Enio: Quem não gosta de dinossauros? Quase todos nós fomos arrebatados na infância por esses seres envoltos em mistério que parecem ter vivido em outro planeta. Quem é da nossa geração com certeza ficou deslumbrado(a) com a versão desses “monstros” que o diretor Steven Spilberg apresentou no cinema. Mas você já leu o livro que inspirou a série de filmes? Pois prepare-se para ter uma incrível experiência literária ao viajar para o futuro e passado simultaneamente com essa incrível obra de Michael Crichton.

Enio: Fiquei completamente encantado com esse livro. Sempre fui fascinado pelos filmes da série Jurassic Park, mas depois de ler a obra original novos horizonte se abriram para mim. 

Alysson: Realmente livro e filme são bem distintos e isso foi uma grata surpresa, um dos motivos de ter adiado tanto a leitura foi o medo de ler algo repetitivo. 

Enio: Fazendo uma comparação entre o livro e o filme, achei que a melhor mudança que a adaptação para o cinema fez foi o “crescimento” a Lex. No livro ela é uma pirralha chata que só serve pra irritar todo mundo, inclusive o leitor.

Alysson: Em relação aos personagens, achei a Lex um porre de chata também e tinha vontade de rasgar fora as partes que o Ian Malcolm falava demais sobre a sua teoria do caos, gostei mais dele no filme que no livro. O cara, mesmo na hora do perigo não fechava a matraca! Allan Grant foi mais bem retratado no livro e o velho dono do parque é um completo idiota ganancioso. No filme lembro de ter simpatizado com ele.

Enio: É verdade que no filme só mostra o lado sonhador e deslumbrado do dono do parque, o que também me deixou até com a impressão que era outro personagem. 

Alysson: Como biólogo, por formação assim como o Enio, fiquei fascinado com o tema abordado no livro, sobre os avanços da biotecnologia e a possibilidade de se recuperar, através da engenharia genética, seres extintos de eras atrás. 

Enio: Sobre o tema biotecnologia, o livro explora bem a visão que muitas pessoas tinham naquela época sobre o avanços desse ciência. Você pode notar isso em muitas obras dessa época. Tinha-se uma perceptiva muito otimista para o futuro próximo e que se revelou hoje, vinte anos depois, falha. 

Alysson: Apesar de isso ser uma belíssima teoria, sabemos que isso, como estudos recentes mostram, nunca será posto em prática. 

Enio: Acontecesse que a técnica apresentada por Crichton precisaria de uma quantidade enorme de DNA (ou ADN, como preferirem) intacto. Entretanto estudos revelam que o DNA não sobrevive nem 7 milhões de anos, e os dinossauros viveram a 65 milhões de anos atrás. Logo, não veremos dinossauros vivos andando pro ai em nenhum parque ou zoológico.

Alysson: Porém a maneira como o autor se utilizou dessa utópica possibilidade de se clonar dinossauros foi bem convincente e aposto como deixou muitos leitores na época do lançamento (1991) com uma pulga atrás da orelha, pois dinossauros são seres admiravelmente belos, mas terrivelmente assustadores também.

Enio: Indo um pouco mais a fundo no processo descrito no livro, mesmo se achássemos uma sequência de DNA incrivelmente preservada de dinossauros, sair remendando as partes que faltam com sequências de qualquer animal como do Dr. Wu fez não ia rolar. Essa foi a coisa que mais me incomodou no livro todo. Provavelmente o que ia resultar disso eram vários ovos inviáveis, e com sorte alguns fetos grotescos.

Alysson: Justamente! Isso foi umas coisas que mais me incomodou no livro também, eles utilizavam qualquer sequência de DNA de qualquer espécie pra colocar nos pedaços que faltavam no dos dinossauros, como se o DNA fosse um quebra cabeça de criança onde se pode sair remendando facilmente aquelas quatro letrinhas (A T G C). Sem contar que eles mexiam às cegas sem saber que pedaços do DNA seriam sequências codificáveis (genes). E se fossem, eles realmente saberiam que proteínas essas sequencias iriam produzir? Que seres iriam ser produzidos? O livro fala que era um jogo de erros e acertos, mas eles acertaram demais pra soar convincente. E tudo em 5 anos! 

Enio: O mais provável é que se usasse só DNA de aves, os parentes vivos mais próximos dos dinossauros, mesmo assim sem garantias. Isso me lembra de outro ponto. O livro insiste em dizer diversas vezes que os dinossauros não são répteis, mas mais parecidos com as aves. Embora as justificativas que o livro apresenta não estejam erradas, considero que esse debate é irrelevante. 

Alysson: A maneira de se classificar os seres vivos não é uma unanimidade na ciência, existem diversos sistemas de classificação propostos, alguns são aceitos outros não. Os dinossauros são descritas nos livros como os parentes mais próximos das aves, mas é uma linhagem extinta de répteis sim.

Enio: Acontece que a Biologia trabalha hoje com uma classificação dos seres vivos que tenta reproduzir a sua evolução. 

Alysson: Indo mais a fundo todos os seres tetrápodes amnióticos são linhagem evoluídas dos répteis, isso inclui nós, mamíferos. 

Enio: Assim o “grupo” dos répteis inclui sim os dinossauros, mas por uma questão de paradigmas exclui dois ramos dessa árvore genealógica, os mamíferos e as aves. 

Alysson: As aves, por possuírem características exclusivas, não são répteis, mas sim descendente de uma linhagem destes, provavelmente a mesma da qual surgiram os dinossauros. 

Enio: Dessa forma pode-se considerar as aves como, na verdade, os dinossauros que sobreviveram e poderiam ser portanto também classificadas répteis. Essa mudança na classificação não ocorreu, mas Biologia está deixando de classificar os seres vivos por “características” compartilhadas, como o sangue frio, para agrupá-los por parentesco evolutivo.

Alysson: Acho também que o livro abordou bem pouco essa questão biomolecular, sobre a complexidade envolvida na expressão dos genes, penso que de propósito, pois é perceptível que Crichton, apesar de não ter sido biólogo, sabia muito sobre o que falava no livro.

Enio: O autor falhou também em explicar sobre comportamento animal. Ele foi categórico ao falar que era impossível se prever o comportamento animal com base na sequencia de DNA, mas isso não está totalmente certo. Talvez não tenhamos conhecimento suficiente na área, mas isso é sim possível até um certo ponto, já que o comportamento também é influenciado fortemente pelo ambiente.

Alysson: Essa coisa de que o comportamento é influenciado pela genética, ele tentou dar uma explicada puxando no final. Aquela ideia de dizer que os dinossauros eram aves primitivas, quando mostrou os raptores tentando “migrar”, aí ele meio que se contradisse né?

Enio: O livro, além de falar muito sobre avanços da ciência na área de Biologia, também fala muito de computadores. Eu também tenho formação na área de informática, mas confesso que não conheço como funcionavam os sistemas informatizados por volta do ano 1991. Entretanto não consegui perceber nenhuma problema nas explanações sobre o sistema do parque e sua programação.

Alysson: Achei sobre os sistemas computadorizados e as demais geringonças “modernas” do parque muito chatas. Imagino que para os leitores da época, como eram descritos tecnologias de ponta, fosse mais interessante. Hoje como a tecnologia faz parte de praticamente tudo, até ler sobre avanços recentes é um tanto chato. Pra mim essa questão serviu apenas como gancho para o desenrolar da trama, já que foi o sistema falho, com uma ajudinha, que desencadeou a liberação das feras do parque. Confesso que pulei alguns parágrafos, por que ler aquelas explicações após um ótimo capítulo de ação era como tomar um banho de água fria.

Enio: Eu gosto de ler sobre tecnologia então não achei nada disso chato (risos).

Alysson: Como já falei, eu achava o Malcolm um chato e tanto! Eu sempre achei a Teoria do Caos interessante, mas o cara falava demais sobre a coisa e meio que cortava o clima do livro, assim como os computadores e suas explicações sobre o funcionamento do parque faziam.

Enio: Eu já havia, em outra ocasião, tentado entender um pouco mais sobre a teoria do caos, mas devo admitir que fiquei boiando em meio a tantas explicações técnicas sobre o tema. Foram as palavras do Malcolm, com uma explicação menos técnica e portanto mais fácil de compreender, que me fizeram ter uma visão um pouco melhor sobre a teoria. Tudo isso ficou mais maçante, eu acho, só próximo ao final do livro. Mas mesmo assim, aquelas viagens teóricas que ele faz me renderam boas reflexões. 

E pra concluir:

Alysson: A Biologia não é uma ciência exata, muito do que eu aprendi no Ensino Médio mudou de figura quando entrei na graduação, e com os avanços da ciência cada vez mais descobrimos coisas novas e os horizontes sobre o entendimento da complexidade da vida não estão mais tão distantes de nós. Por isso questões sobre ética e bioética são cada vez mais debatidas entre os cientistas. Uma das coisas que o livro aborda é a utilização irresponsável do conhecimento biológico para fins obscuros. Mendel, o pai da Genética certamente teve medo de que sua descoberta sobre os genes fosse utilizada para selecionar deliberadamente características “desejáveis” e eliminar as que não serviam, quebrando a maravilha da variabilidade que existe na natureza. Clonar dinossauros pode ser um sonho, mas hoje os cientistas já conseguem manipular a molécula base da vida e a questão sobre o uso irresponsável das técnicas e do saber cientifico é um fato muito bem abordado por Crichton em O Parque dos Dinossauros.

Título original: Jurassic Park (1991)
Autor: Michael Crichton
Ano: 2009
Editora: Rocco e L&PM
Páginas: 488